O novo voo literário de John Freeman

Quatro perguntas

09.03.16

Na introdução ao primeiro número da recém-lançada revista Freeman’s, John Freeman lembra que, 25 anos atrás, num voo interno nos Estados Unidos, enfrentou uma turbulência violenta. A metáfora do alívio que sentiu naquele dia ao pôr os pés no chão serve para definir a busca por bons textos: “São poucas as coisas interessantes sem risco.” Foi com esse espírito que, em 2012, ainda à frente da Granta, Freeman elegeu os “20 melhores jovens escritores brasileiros”, momento que ele destaca como emblemático em sua trajetória como editor da mais célebre e influente revista literária de língua inglesa. Agora, no primeiro número da Freeman’s, ele mistura textos de Haruki Murakami, Lydia Davis e Daniel Galera entre outros que escreveram com o mesmo tema: “Chegada”. Na entrevista ao Blog do IMS, John Freeman explica o que significa publicar boas histórias, comenta o próximo número da publicação e fala sobre sua relação com a literatura brasileira contemporânea.

John Freeman, foto de Deborah Treisman

Na introdução do primeiro número da Freeman’s, você diz que “pouquíssimas coisas no mundo são interessantes sem risco, movimento e imaginação”. Como situaria a Freeman’s na cena atual? É uma revista literária ou uma antologia?

Freeman’s poderia se encaixar perfeitamente entre uma antologia e uma revista, como a carne num sanduíche – e sanduíche é bom desde que você não tenha que comê-lo todo dia ou toda hora. Acho que muitas vezes este tipo de revista sai com frequência demasiada. Acho também que, no universo das publicações em inglês, há a tendência de interpretar o literário como se fosse, de alguma forma, sobre a escrita. Eu quero que a Freeman’s tenha a ver com contar histórias, histórias importantes, engraçadas, comoventes, essenciais. O tipo de história que os amigos contam no fim de um jantar e que deixa a mesa inteira em silêncio por um tempo até que alguém levante e encha todos os copos de vinho. E, de fato, vários textos do primeiro número – os de David Mitchell, Aleksandar Hemon, Kamila Shamsie, Sjón, Lydia Davis e Etgar Keret – foram histórias que os autores me contaram pessoalmente antes que eu tenha pedido para que as colocassem no papel.

Na sua opinião, qual a diferença entre a Freeman’s e a Granta? O leitor seria o mesmo de revistas como a Paris Review e a N+1? Além disso, o que significa lançar hoje uma revista impressa, em vez de digital?

Este é um ótimo momento para publicar no papel, porque a internet fez com que publicar ficasse tão fácil que estamos afogados em artigos, opiniões, eventos, entrevistas, textos chapa-branca. Mas nada nos prende da mesma forma que a narrativa de uma boa história. A mecânica e as decisões envolvidas para que se faça uma boa publicação em papel na verdade combinam perfeitamente com o cuidado e o discernimento necessários para escolher e editar o que é mais importante. Acho que a Freeman’s tem uma visão mais ampla do que a Paris Review, menos certezas do que a Granta sobre o interesse dos leitores, e menos preocupação com as ideias em si do que a n+1. Quero que ela seja acolhedora, que prenda a atenção e que seja cheia de surpresas. Todo mundo provavelmente conhece Haruki Murakami, que está no primeiro número, mas com certeza Garnette Cadogan vai ser novidade. O leitor ideal da Freeman’s é curioso, tem interesse pelo outro, é alguém com senso de humor e estilo, que às vezes são a mesma coisa, alguém que não vê justiça social e bom texto como coisas naturalmente opostas.

Você tem uma forte preocupação em revelar novos autores, especialmente estrangeiros. Você acha que a Granta dedicada aos autores brasileiros teve um papel importante para divulgá-los? Daniel Galera aparece no primeiro número da Freeman’s: isso quer dizer que a revista terá um olhar atento à produção literária do Brasil?

Aquele número da Granta foi um dos melhores momentos do meu tempo na revista. Não apenas porque alguns dos colaboradores viraram amigos. Galera, é claro, mas também Carol Bensimon, Ricardo Lísias, e acabei de encontrar Vinicius Jatobá mês passado, em Paris. Mas também porque, no final das contas, os autores acabaram sendo publicados em várias outras línguas. Foi muito gratificante. Os escritores merecem, e essa promoção era precisamente o objetivo daquele número, celebrar e mostrar o futuro do Brasil e, ao fazer isso, disseminar suas vozes. Tive muita sorte de trabalhar com o Marcelo Ferroni e o Roberto Feith, eles são dois dos melhores editores que já conheci no mundo. E desde então passei a conhecer o trabalho de José Luiz Passos, que estava envolvido, mesmo que não diretamente, um enorme talento. Como resultado dessas relações, olho para os autores brasileiros com bastante atenção, sim.

Levando em consideração o foco em escritores estrangeiros e inéditos, o tema do primeiro número da Freeman’s, “Chegada”, parece ser um ótimo começo. O que podemos esperar do próximo número?

Acabamos de terminar, então já posso te contar. O tema é “Família”, já que, depois de nascer, ou chegar, todos de alguma forma temos uma família, mesmo que essa família entregue você para adoção. A revista vai ter inéditos dos Nobel Mo Yan e Patrick Modiano, ensaios de Marlon James, que recentemente venceu o Booker, de novo Aleksandar Hemon, contos de escritores relativamente novos como Claire Vaye Watkins, uma americana de Nevada, e Joanna Kavenna, da lista dos “Melhores jovens escritores ingleses” quando eu estava na Granta, e textos de César Aira, Valeria Luiselli (uma das melhores novas escritoras do mundo todo) e Aminatta Forna, uma das melhores ensaístas vivas. Todas as famílias contam histórias, e é por meio de suas  histórias que elas entendem quem são, o que são. Espero que esse número seja como uma família grande, barulhenta, engraçada, cheia de grandes contadores de histórias. Tem também um ensaio fotográfico formidável de um novo fotógrafo, chamado Ruddy Roye. O trabalho dele nos últimos dois anos mostra como um retrato pode restaurar a dignidade de alguém, quando a vida está trabalhando duro para tirá-la da pessoa.

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